20 de jan. de 2014

Disfunção narcotizante


Por Príscila Gama

O acúmulo de informação serve para "narcotizar" o cidadão em vez de estimulá-lo. A esta teoria os sociólogos americanos Merton e Lazarsfeld chamaram de "disfunção narcotizante". Condescendentes, preferiram disfunção, e não função, partindo da premissa de que a narcotização não seria interessante à complexa sociedade moderna com grande parte da população politicamente apática e inerte.

A teoria se comprova na prática. Basta uma breve observação sobre o comportamento de um freqüente telespectador do programa Bandeira 2. Estamos na sala da casa de Laílton Pereira da Silva, 27 anos. Ele acorda todos os dias às 5h da manhã para ir trabalhar no mercadinho como carregador de fardos de arroz e feijão. Laílton tem sotaque malandro, a pele queimada de sol e os braços magros, mas fortes, demonstram a força dispensada diariamente na labuta.

“Eu só não saio de casa antes de ver o Bandeira 2, e na hora do almoço, o da Luzia Sousa”, fala com muita naturalidade, enquanto na TV aparecem os corpos de duas meninas assassinadas em João Lisboa por um adolescente.

Laílton almoça tranquilamente sem nenhuma inquietação. Sentado no chão da sala, rasga um pedaço de bife nos dentes enquanto assiste inerte à cena triste: duas irmãs brutalmente assassinadas, corpos no chão, sangrando a vida que já se foi.

Na disfunção narcotizante o indivíduo bombardeado pelos meios de comunicação, com mensagens de toda espécie, confunde o fato de conhecer os problemas cotidianos com a prática salutar de atuar sobre eles. Ou seja, nossa consciência social permanece inalterada e, em vez da participação ativa nos problemas sociais, adquirimos vasto e mero conhecimento passivo, e nada mais.

Um indivíduo inserido numa sociedade narcotizada vê-se impedido de contemplar o surgimento da "biodiversidade intelectual", fenômeno social somente possível com inteligências particulares, cada um com sua contribuição pessoal no processo. Mas, antes de ser narcotizado, o ser humano passa por outro processo psicológico, a dissonância cognitiva, descrito por Leon Festinger, que consiste no choque de repertório, crenças e valores internos.

É assim que Laílton não reage mais às noticias absurdas dos programas de TV que assiste. Não estranha criança degolada pela própria mãe no assentamento Califórnia, irmãs assassinadas por adolescente em João Lisboa, idosa brutalmente assassinada a pauladas na Vila Cafeteira, jovem morto a pedradas no mesmo bairro e por aí vai.



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